10 novembro 2010

ANALGÉSICOS I: FISIOPATOLOGIA DA DOR:




  1. DEFINIÇÃO E COMPONENTES:

A dor é o “estado inverso ao prazer”, segundo Hipócrates. Ela é uma experiência neurossensorial formada pela associação de dois componentes bem definidos: um perceptivo (neurossensorial ou cognitivo) e um afetivo (motivacional ou aversivo).
O componente cognitivo permite não apenas a percepção, mas também o aprendizado da dor, de forma que o indivíduo tenda a não repetir o ato que provoca o estímulo doloroso.
O componente aversivo é um reflexo psicomotor ao sofrimento, permitindo que se desenvolvam os sentimentos que a dor deflagra, como o ódio, desespero, agonia e irritabilidade. Ele também dita a intensidade da dor, preserva a identidade física e é modificado pela memória.
A dor é um alerta ao organismo de que está ocorrendo lesão celular/tissular. Além do componente cognitivo que prepara o indivíduo para uma ação, o que difere a dor dos outros sentidos é justamente o componente aversivo, responsável pelas reações básicas de luta ou fuga.
O momento em que se deflagra o componente aversivo, denominado limiar da dor, varia de pessoa para pessoa.


  1. REAÇÕES À DOR:

O estímulo álgico segue da periferia ao córtex, onde, de acordo com as regiões ativadas, desenvolve os componentes da experiência dolorosa. Estes evocarão, a partir daí, reações segmentares, suprassegmentares ou corticais.

  • Segmentares: abalo muscular, espasmo muscular e vasoconstrição local, além de sudoresse, acidose muscular e hipopotassemia, que perpetua a contração muscular. São desencadeadas pelos metabólitos produzidos pela injúria, que promovem essas reações medulares.
Um exemplo é o torcicolo: uma isquemia branda do m. ECOM causa contração que gera dor que não deveria perdurar por mais de 48-72h se bem tratada. Dor por mais de 1 semana promove espasmo muscular que leva a vasoconstrição e acidose, de forma que o músculo entra em anaerobiose, quebrando gligose em ácido lático e perpetuando assim a dor.

  • Suprassegmentares: alerta e ativação neurovegetativa.

  • Corticais (psicomotoras): reação afetiva-emocional.

As reações segmentares tendem a perpetuar o estímulo doloroso, enquanto as reações suprassegmentares provocam reações típicas simpáticas e parassimpáticas (palidez, sudorese, taquicardia, pressão elevada, extremidades frias), além de manter o indivíduo em alerta. A formação reticular diencefálica é a porção que medeia os sinais corticais de sono e vigília. Dores viscerais levam a um componente supressegmentar tão importante que o alerta é obrigatório.
As reações corticais são responsáveis pelo sofrimento.


  1. ANATOMIA DA MEDULA ESPINHAL:

  1. SUBSTÂNCIA CINZENTA:
  • Neurônios de Axônio Longo (tipo I de Golgi)
    • Radiculares (formam a raiz ventral)
      • Viscerais (neurônio pré-gangl. do SNA -> m. liso, cardíaco, glânds.)
      • Somáticos (neurônios motores -> m. esquelético)
  • Cordonais (ganham subst. branca -> funículos ascendentes ou descendentes)
    • De Projeção (termina fora da medula, p. ex., no tálamo)
    • De Associação (termina na subst. cinzenta)
  • Neurônios de Axônio Curto (tipo II de Golgi ou Internunciais) (permanecem na subst. cinzenta -> ramificam-se próximo ao corpo e servem de conexão; participam dos arco-reflexos)

  1. SUBSTÂNCIA BRANCA:
  • Vias Descendentes (origem no córtex ou tronco encefálico)
  • Piramidais (passam pelas pirâmides bulbares antes da medula -> movimento voluntário)
  • Extra-Pitamidais (tracto tecto-espinhal, vestíbulo-espinhal, rubro-espinhal e retículo-espinhal -> movimento involuntário, tônus, postura)
  • Vias Ascendentes
  • Do Funículo Posterior
    • Fascículo grácil e fascículo cuneiforme (tato epicrítico, propriocepção, estereognosia e sensibilidade vibratória)
      • Do Funículo Anterior
        • Tracto espinotalâmico anterior (tato protopático, grosseiro, e pressão)
  • Do Funículo Lateral
    • Tracto espino-talâmico lateral (temperatura e dor). É a principal via de dor, também denominada de tracto neoespino-talâmico. Junto dele seguem também as fibras espino-reticulares, que fazem sinapse na formação reticular e originam as fibras retículo-talâmicas (via espino-reticular + via retículo-talâmica = via espino-retículo-talâmica).
    • T. espino-cerebelar ant. (propriocep. inconsciente e controla motricidade)
    • T. espino-cerebelar post. (propriocep. inconsciente)

  1. MECANISMOS PERIFÉRICOS DA DOR:

O estímulo inicia na Zona de Gatilho, onde há terminações nervosas livres denominadas NOCICEPTORES, que caminham junto com o corpúsculo de Paccine, Merckel e Maissner para o corno posterior da medula. Essas terminações têm maior limiar de excitabilidade que as outras, exigindo estímulos bem mais intensos para que o potencial de ação seja deflagrado, ou seja, são sensíveis apenas ao estímulo lesivo, nocivo.
As fibras aferentes que conduzem a informação dolorosa são classificadas em:

  • A delta: neurônio mielinizado de alta velocidade de condução (5-7 m/s). É responsável pela dor rápida, em pontada ou agulhada.
  • C: neurônio não-mielinizado de baixa velocidade (0,3-0,5 m/s). É responsável pela dor lenta, em aperto, constrição. Dura mais (dor mantida). É a que conduz o indivíduo ao médico.

Quando uma área de nosso organismo é lesada, os lisossomas das células mortas sofrem liberam enzimas proteolíticas que ativam o calicreinogênio. Esta substância se transforma em calicreína, capaz de converter o bradicinogênio em bradicinina. Esta além de promover estimulação direta no nociceptor, interconverte a fosfolipase D2 em A2, gerando prostaglandina a partir do ácido aracdônico proveniente do resto de membrana plasmática da célula que sofreu autólise (ação da COX 2).
Prostaglandinas: PGG2 -> PGH2 -> PGI, uma prostaciclina vasodilatadora, hiperestésica e causadora de edema; PGD2; PGF2, que promove vasoconstricção e edema; PGE2, que promove hipertermia, vasodilatação e edema, além de reduzir o limiar de excitabilidade das terminações nervosas livres, causando hiperestesia e facilitando a transmissão de estímulos dolorosos.
A prostaglandina isoladamente não é capaz de deflagrar a sensação álgica. Este fenômeno depende da bradicinina. A PGE2 aumenta a QUANTIDADE de potenciais de ação (e não a amplitude do PA), amplificando o estímulo álgico que apenas com a bradicinina seria rápido e fugaz.
O ácido aracdônico também dá origem aos leucotrienos (quimiotáticos e formadores de SRSA, Substância de Reação Lenta, responsável maior do choque anafilático), PAF e tromboxano A2 (vasoconstritor).


  1. CONTROLE DO PORTÃO DE DOR (“GATE CONTROL”):

Ambas as fibras, A delta e C, chegam da periferia ao corno posterior da medula, fazendo sinapse com as células T das lâminas I, II, IV e V de Rexed. Essa sinapse 1ª é denominada de SINAPSE SENSORIAL.
A lâmina I (camada marginal) recebe impulso direto das fibras A delta e via interneurônio das fibras C; a lâmina II (substância gelatinosa) é formada quase exclusivamente de interneurônios que recebem estímulo das fibras C; as lâminas III e IV recebem impulso monosináptico das fibras A beta, não-mielinizadas e grossas, de tato e propriocepção; a lâmina V recebe estímulo direto a beta e A delta, além de impulsos diretos e indiretos das fibras C.
De acordo com a hipótese mais aceita, a fibra do tipo C estimula a célula T e o interneurônio estimulatório (ou inibe o interneurônio inibitório), permitindo a passagem do estímulo álgico, “abrindo o portão da dor”. A fibra do tipo A delta e A beta, estimulam a célula T, mas também o interneurônio inibitório, impedindo a passagem do estímulo à célula T, “fechando o portão da dor”.
Através da fibra A beta, quando esfregamos uma região do corpo lesada, “aliviamos” a dor. Esse é o princípio do uso de bolsas de água quentes na cólica e da acupuntura, cujas agulhas estimulas pontos pré-sabidos de passagem de fibras desse tipo.
O que faz o indivíduo sentir mais ou menos dor é a modulação de freqüência dos PA’s: o interneurônio inibitório é capaz de fazer um corte 1:1 em cada potencial de ação gerado; ele tem a função de filtrar, ou seja, reduzir o número de potenciais de ação álgicos que passam por ele.
Caso a fibra A delta ou A beta estejam com atividade reduzida, a ação sobre o interneurônio inibitório será menor, levando a uma dor de intensidade maior. Caso a atividade esteja aumentada, a intensidade da dor será menor.
Existem micobactérias que lesam a primeira sinapse devido a um tropismo pelos interneurônios inibitórios (ex.: neurite pós-herpética). O indivíduo perde a capacidade de fechar o portão da dor, que é exacerbada.
Receptores alfa 2, presentes na célula T, fecham o portão da dor. Por isso, a clonidina pode ser usada como substituta da morfina na analgesia do câncer, por exemplo.

Deaferentação Primária:
É a situação em que as fibras A beta são lesadas, levando a uma menor filtração dos estímulos álgicos e, com isso, provocando dores lancinantes.


  1. MECANISMO DA POTENCIALIZAÇÃO DE LONGA DURAÇÃO NMDA DEPENDENTE:

Na primeira sinapse sensorial, no botão terminal da fibra aferente, há liberação de glutamato, substância que se liga ao receptor AMPA, acoplado a um canal de sódio, na membrana plasmática da célula T. Após esta ligação, há uma despolarização da membrana, insuficiente para deflagrar um potencial de ação, mas ideal para atuar sobre os receptores NMDA da célula T. O receptor NMDA possui um sítio de ligação para o glutamato ocupado por íons de magnésio. Quando ocorre despolarização da membrana, este íon é deslocado permitindo que o glutamato vença o antagonismo competitivo e se ligue ao receptor. Essa ligação promove, então, um influxo de íons cálcio para o citossol da célula T. A alta concentração de cálcio aumenta a quantidade de protooncogenes (c-fus e c-jun), estimulando a transcrição de RNAm de enzimas (ex.: NO sintase), receptores (ex.: NMDA) e canais (ex.: de cálcio), potencializando a dor. O cálcio também ativa a NO sintase diretamente, aumentando a produção de óxido nítrico, que alcança a membrana pré-sináptica e estimula a liberação de mais glutamato.
Quando se usa um analgésico apenas como SOS, o retorno do estímulo da dor após cessar o efeito do medicamento causa uma potencialização via NMDA, ou seja, a dor volta com maior intensidade. O correto é fazer analgesia por 24h.
Membro Fantasma:
Em um neuroma, ou seja, cicatriz de um nervo seccionado, está mantida a transmissão de glutamato, logo, qualquer estímulo álgico ao coto gera dor.


  1. SISTEMA ANTERO-LATERAL DA MEDULA:

As fibras A e C que trazem o estímulo da periferia chegam ao corno posterior e cruzam o H medular para uma região antero-lateral. Por isso, o sistema ascendente é denominado Sistema Antero-Lateral da Medula. Ele é formado principalmente pelo tracto neoespino-talâmico, pelo tracto paleoespino-talâmico (ou espino-retículo-talâmico) e pelo feixe espino-reticular.
O tracto neoespino-talâmico é formado por neurônios das lâminas I e V-VII e segue para o tálamo lateral e córtex somestésico (giro pós-central). Relaciona-se com dor aguda (em pontada) e bem localizada e é responsável pelo componente cognitivo da dor. O corpo do neurônio I, nociceptor, está no gânglio da raiz dorsal. Esse neurônio faz sinapse no corno posterior da medula e o neurônio II cruza para o funículo lateral do lado oposto, formando o feixe espino-talâmico lateral. Este ascende para o núcleo ventral póstero-lateral do tálamo, passando pelo lemnisco espinhal do mesencéfalo. Faz sinapse com o neurônio III, que se dirige ao córtex parietal, somato-sensorial (homúnculo), permitindo a localização da dor (irradiações tálamo-corticais específicas).
Já o tracto paleoespino-talâmico, é formado por neurônios das lâminas VII e VIII e conduz impulsos de dor crônica e difusa (em queimação) ao tálamo medial e córtex frontal. Ele emite conexões para a formação reticular e para o sistema límbico (amígdala, hipocampo, fórnix, cíngulo e córtex pré-frontal), sendo responsável pelo componente aversivo da dor. Essa via tem trajeto interrompido: o neurônio II ganha o funículo lateral do mesmo lado e do lado oposto; as fibras cruzadas e não cruzadas formam o feixe espino-reticular, que ascende para a formação reticular, onde faz sinapse com o neurônio III; este forma as fibras retículo-talâmicas que vão aos núcleos intralaminares do tálamo fazer sinapse com o neurônio IV, direcionado a amplos territórios do córtex (sobretudo o pré-frontal) (irradiações tálamo-corticais inespecíficas).
Há também o tracto espino-mesencefálico, formado pelas lâminas I e V, que confere o componente afetivo da dor. Suas fibras seguem para a substância cinzenta periaquedutal e formação reticular mesencefálica e se projetam para o núcleo parabraquial. Deste último, seguem para as amígdalas. Outros tractos são o cervico-talâmico (lâminas II e IV), que origina nos dois primeiros segmentos cervicais da medula, e o espino-hipotalâmico (lâminas I, V e VII), que permite o controle autonômico da dor e ativa a complexa resposta neuroendócrina e cardiovascular.


  1. VIAS DA ANALGESIA – REGULAÇÃO DA DOR:

O portão da dor, capaz de regular a intensidade da sensação dolorosa, é controlado por dois tipos de vias: a dos impulsos nervosos que entram pelas fibras das raízes dorsais e agem nos interneurônios (sobretudo via fibras A beta, já descritas) e também por fibras descendentes supra-espinhais.
Uma das vias descendentes é a da substância cinzenta periaquedutal (PAQ; uma substância presente ao redor do aqueduto cerebral) e do assoalho do terceiro ventrículo. Fibras serotoninérgicas os conectam ao núcleo magnocelular da rafe (um dos núcleos da rafe, componentes da formação reticular – estrutura de característica intermediária entre a substância branca e a cinzenta que ocupa a parte central ao longo do tronco encefálico) e deste partem fibras rafe-espinhais encefalinérgicas em direção ao funículo dorsolateral da medula e substância gelatinosa. Essas fibras são capazes de inibir a fibra A delta e A beta antes delas fazerem sinapse e estimularem o interneurônio inibitório do portão da dor. Logo, quando o PAQ é estimulada, ocorrem reflexos de analgesia.
Outra conexão da PAQ é com o núcleo paragigantocelular (outro núcleo da rafe), que envia fibras noradrenérgicas inibitórias diretamente à célula T. A noradrenalina age nos receptores alfa 2 dessa célula, ativando-os e hiperpolarizando a célula T e “fechando o portão da dor”.
Há receptores para opióides na PAQ. Essa região possui numerosas conexões aferentes; a mais importante é a com as vias neo e paleoespino-talâmicas, aumentando a complexidade do sistema de regulação da dor.
O Locus Ceruleus (LC) é outra estrutura que participa das vias analgésicas descendentes. Ele é estimulado por fibras encefalinérgicas do funículo dorsolateral da medula e libera norepinefrina nas mediações do corpo da célula T. A NE se liga aos receptores alfa adrenérgicos inibitórios, hiperpolariza a célula T e “fecha o portão da dor”.
Tanto o LC quanto a formação reticular participam do Sistema Límbico. Outras estruturas desse sistema têm vias de regulação da dor. É o caso do Hipotálamo, que pode tanto inibir quanto ativar a PAQ.
Por fim, o tálamo pode estimular a PAQ e outros núcleos da medula e ponte enviam projeções analgésicas ao corno posterior da medula.






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